segunda-feira, 7 de maio de 2018

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DE APARÊNCIAS EQUÍVOCAS

Paulo Afonso Linhares


Dona Rita, com aquele seu sorriso infinito, uma exótica  constelação de dentes de ouro, gostava de repetir, entre incrédula e conformada com os desencontros das coisas humanas: “Quem vê cara, não vê coração”. Na sua singela filosofia, isso queria dizer dos enganos que podem ser cometidos quando se julga pelas aparências. Ora, na dimensão do real, nem sempre o que aparenta é o verdadeiro, embora a aparência quase sempre prevalece sobre a verdade. 
Lastimável é que os enormes e lucíferos progressos científicos e tecnológicos no campo das comunicações e informações tenham acentuado essa tendência do aparente superar o que verdadeiramente. Aliás, todo um aparato midiático é devotado a esse desiderato malsão de iludir as massas, sempre a fazer com que estas confundam “a nuvem por Juno”, para usar expressão clássica, ou “compre gatos por lebres”, conforme anexim popular.
Folheando esquálido jornal - nestes tempos de redes sociais todos os jornais impressos parecem inermes, magros, sem vida - é inevitável que desavisado leitor seja atraído por um belo rosto de mulher que poderia significar muitas coisas: que uma jovem de classe média era a nova “Miss Brasil” (aí novo, hein?) ou uma bela cientista brasileira ganha o prêmio Nobel de Física. Claro, aquele belo rosto poderia estar nos dois lados da  notícia na crônica policial, como vítima de algum malvado ou na pele da malvada favorita de muitos idiotas. 
Nada disso. O belo rosto estampado nos veículos de comunicação brasileiros, nesta última semana, era de uma dessas pessoas que agora se afiguram como portadoras do fogo dos deuses, a juíza federal Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela execução criminal. Claro, procurar construir um perfil dessa magistrada a partir de dados garimpados da Internet é quase impossível pois o que se diz dela, em alguns sítios, é ser ela um juíza “técnica e rígida”. Sem dúvida, uma classificação estúpida. Quantos anos tem a juíza  Carolina Moura Lebbos? Impossível precisar, nem é preciso. Seguramente jovem e aprovada num dos concursos que impõem maior grau de dificuldades na área jurídica, pelo que se presume ser ela conhecedora da técnica do direito, ao menos daquilo que se conhece como dogmática jurídica.
Agora, a bela dra. Lebbos - quem vê cara, não vê coração! - assume o ‘relevatíssimo’ papel de cercereira do ex-presidente Lula. Aliás, goste ou não dele, mas, tudo que esse cabeça chata toca ou nele  esbarra assume dimensões épicas, para o bem ou para o mal. No seu nefando mister, cabe à bela menina juíza da execução penal da seção judiciária do Paraná dizer quem deve falar ou não com Lula, encarcerado na sede do DPF em Curitiba. Dez governadores de Estado, senadores da República, ícones mundiais a exemplo do prêmio Nobel da Paz Perez Esquivel, além do teólogo Leonardo Boff, foram impedidos de ver o famoso detento, pela juíza Lebbos. 
Nem os milicos da ditadura foram tão rígidos  em permitir visitas a presos políticos. Os que cumprem penas merecem visitas. Isto faz parte do objetivo da sanção penal no direito brasileiro, que é o da ressocialização. Esse é um daqueles direitos inalienáveis, imemoriais, de que nos fala Antígona, personagem de Sófocles. Quem o escreveu? Ora, antes de estar nos (falíveis)  códigos legais dos povos está nos corações dos humanos, segundo ensina Agostinho, o santo bispo de Hipona.
No entanto, Lebbos se superou quando não permitiu a visita de uma advogado constituído por Lula, Wadih Nemer Damous Filho, de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”, como reza o art 7°,inciso III, do Estatuto da OAB. Do ponto de vista das prerrogativas dos advogados brasileiros, uma gravíssima agressão. A menina-juíza Lebbos exibiu nesses arroubos para mostrar, decerto,  que os algozes (pronuncia-se “ô”) de Lula não se resumem ao juiz Moro nem o ministro Frachim (sic!). 
Depois do incidente com Wadir Damous, advogado e deputado federal, ela recuou e passou a permitir que o líder petista possa ser visitado semanalmente, nas quintas-feiras, por duas pessoas que não sejam familiares ou advogados de Lula.
Por fim, o desastre politicamente (só de modo aparente) correto de limitar as tais  prerrogativas de foro, foi mais uma decisão do Supremo Tribunal Federal contra texto expresso da Constituição. Ora, evitar que certas autoridades públicas seja submetidas ao crivo de juízes da primeiro grau, finda sendo uma garantia constitucional  relevante não apenas dos deputados e senadores, mas, de magistrados e e executivos públicos de vários graus. As aparências, lastimavelmente,  prevalecem, embora possam ser retumbantes equívocos. Tal é o caso.
O politicamente correto, expressão dos grandes veículos de comunicação que se arvoram intérpretes do sentimento das massas e exercem forte influência nos rumos das decisões de relevantes matérias tomadas pelo STF e outros tribunais pátrios. A contradição maior disso é que o STF passa um baita atestado de sua própria inércia e incapacidade, quando deseja que somente sejam de sua competência  os processos e julgamentos de deputados federais e senadores que tenham praticado crimes em razão do exercício do mandato e dentro deste, aliás, repita-se, em desacordo com o que reza o texto constitucional. Agora, ficarão mais à mercê de decisões judiciais orientadas por interesses regionais ou mesmos paroquianos.
No palavrório grandiloquente do anódino Luiz Roberto Barroso, hoje enfant gatê do Supremo Tribunal Federal, dos coxinhas e conservadores de todas as extrações, faz-se necessária a superação das velhas estruturas de poder, no Brasil, com atitudes a exemplo dessa quebra da prerrogativa de foro dos parlamentares federais. 
Certamente não se lembra que sem o beneplácito de políticos e partidos disso que considera como “velhas estruturas de poder” alguém do seu tipo, mesmo que medianamente versado nas teorias do constitucionalismo contemporâneo, jamais teria  assento na mais alta Corte do país, de onde pode até recitar canhestras doutrinas contrárias à ordem republicana e o espírito da Constituição. E até quando continuará, juntamente com alguns outros de seus pares do STF, a abusar de nossa paciência, qual o senador Lucius Sergius Catilina (senador romano que através de conspiração buscava encher-se de riquezas, no que foi combatido em diversos  discursos por Marco Túlio Cícero). Triste, simples assim. Coisas do Brasil.

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